A virada que ninguém esperava aconteceu nos anos 2000 quando amostras do mel, com parco mercado consumidor no país foram parar na Alemanha. Nem mesmo o exportador na época imaginava um interesse tão grande para o produto. “Mandamos a amostra para ver qual seria o resultado. Foi uma surpresa para nós” recorda o diretor da Minamel, Agenor Sartori Castagna.
Em plena temporada de coleta do mel de melato da bracatinga, cuja produção ocorre entre março e maio dos anos pares, os apicultores do planalto catarinense estão em clima de comemoração e de olho no tempo. Tudo indica que a temporada de mel escuro, como costumam chamá-lo, será uma das melhores dos últimos quatro anos quando amargaram quedas dramáticas de produção. “Se continuar seco, teremos uma supersafra”, aposta Agenor, que espera comercializar pelo menos 120 toneladas do produto de uma produção total estimada em 800 toneladas.
“Até começarmos a exportá-lo esse mel não tinha valor. Ele era o patinho feio, hoje é um dos cisnes”, compara Tarciano Santos da Silva, gerente de exportação da Prodapys, empresa na liderança do comércio exterior de mel cuja previsão de vendas para esta safra de mel de melato deve girar entre 200 e 400 toneladas, cerca de 10% da exportação total para o ano. Tarciano explica que a cor intensa e sabor marcante, motivo de estranhamento do consumidor brasileiro, foi justamente o que atraiu os alemães, acostumados ao seu próprio mel de melato oriundo da Floresta Negra. ”Os consumidores alemães, austríacos e suíços são os que mais gostam de mel de melato”, diz o alemão Thomas Heck, que trabalha com importação para os mercados alemão e inglês. A valorização em cada temporada depende de variações do dólar e da quantidade lançada no mercado por outros países exportadores. Segundo Thomas, além da produção local em países como Alemanha, Suíça, Áustria e França, são fornecedores Espanha, Itália, República Checa, Turquia, Argentina e Brasil. Uma vantagem do mel de melato brasileiro é a origem em áreas nativas que respeitam a regulamentação para orgânicos da União Européia. “Pelo menos 95% do produto é certificado. Os outros 5% poderiam ser orgânicos, mas não tem a certificação, entaotemos que vender como convencional”, revela Tarciano. A diferença é significativa sobre o mel floral –entre R$ 0,60 a R$ 1, respectivamente, se comparado aquele orgânico ou sem a certificação.
Com suas 400 colméias forrageando sobre a bela Serra dos Farrapos, em Urubici, onde ainda é possível avistar bracatingais em abundância, o apicultor Eduardo Copetti e a esposa Fabiana conseguiram tirar unicamente do mel o sustento da família, formada pelo casal e dois filhos. A casa e o terreno onde vivem, o carro, a picape e a casa de mel já foram pagos com a atividade. Tudo que nós temos é por causa do mel”, resume satisfeito.
Parte disso, graças ao mel escuro. Mesmo restrito a safras intercaladas, o mel de melato é muito mais produtivo do que o mel floral. Em sua melhor temporada, em 2006, alguns apicultores chegaram a atingir o recorde de 100 quilos por colméia. Mais de seis vezes a média de 15 quilos do mel de néctar. Os 4.200 quilos que Eduardo coletou na primeira quinzena encheram 14 tambores, e já ultrapassam a quantidade de 2010. Ele espera fazer três ou, até mesmo, quatro coletas só nesta temporada.
De Caçador no Oeste catarinense, Walter Bartholet levou um dos primeiros lotes de mel de melato até a sede da Prodapys, em Araranguá, no litoral do estado, mas não parecia aborrecido com a viagem que lhe tomou todo o dia. Filho de Suíços que imigraram para o sul do Brasil, Walter, que cursou o colégio agrícola no país, foi para a Suíça fazer formação em agronomia e retornou impaciente para administrar as colméias da família, atualmente 800 distribuídas nas cidades de Caçador, General Carneiro e Calmon. Até 2014, ele quer cobrir uma área de 150 quilômetros no entorno da casa de mel, incluindo outros apicultores neste projeto.
Essa trajetória o tornou um apicultor extremante técnico e um dos maiores produtores de mel de melato do estado. Por isso, à frente de seu tempo, já começa a pensar estratégias para assegurar a produtividade. Ele planeja iniciar a restauração de bracatingais, que sofreram séria redução nos últimos anos 10 anos devido à expansão da pecuária extensiva e corte para queima, e fazer experiências de inoculação da cochonilha em árvores sem o inseto. “Deveríamos ter uma apicultura própria para o Brasil, explorando melhor o melato, o mel silvestre e regiões como o pantanal e a caatinga”, opina.
A área infestada pelo inseto oferece melato suficiente para que cerca de 300 apicultores produzam mel com destino certo para a Alemanha. Mas, depois de uma década de exportações para um consumidor exigente, quem é apresentado ao mel de melato pela primeira vez, não encontra mais apicultores tímidos com o primo “diferente” do mel floral. “Quem experimenta, não quer outro mel”, diz IndalécioBorguezan, com a convicção de quem sabe o valor de seu produto. Agora que a família deve mudar sua casa e a pequena loja de venda direta para uma área mais próxima dos consumidores, talvez esse seja o prenúncio do merecido reconhecimento do mel de melato, bem aqui mesmo, dentro do Brasil.
por Sandra Damiani | Fotos Caio Cezar Nascimento, de Urubici, SC Fonte: http://revistagloborural.globo.com/